Em entrevista concedida por WhatsApp à Radio YANDÊ em agosto de 2019, o artista Sandro Rogerio, 46, comentou sobre o processo de criação da logomarca da APA Kaapora, e sobre seu processo artístico. Além de Artista, Sandro é Engenheiro, coordena o projeto de pesquisa e extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro voltado para etnodesenvolvimento e economia solidária, atua com a comunidades da Aldeia do Guarani MBA, na região da Costa Verde, especificamente na Terra Parati Mirim e no Tekora Itaxim Mirim. Sandro Rogério é indígena da etnia Xucuru, pernambucano, nascido na Aldeia Velha que pertence ao distrito de Belo Jardim, mora há anos no Rio de Janeiro. Foi para a cidade aos dois anos de idade onde vive até hoje, com suas duas filhas.
Foto Sandro Xucuxu no centro da imagem, arquivo pessoal do mesmo.
Quem é Sandro?
Sou da área de Engenharia Escola Politécnica, e atuo com comunidades tradicionais, indígena, quilombola, caiçara, mas atualmente venho atuando com os parentes. Meu pai, minha avó todos Xucurus. Por parte de mãe, família de origem holandesa que moram em Pernambuco, a maioria. Isso é entender um pouco quem é Sandro Xucuru, pelos Guaranis sou conhecido como karai de cope Xucuru, apesar deles darem o nome Guarani eles chamam Xucuru no final por causa de minha origem.
Como é sua relação com o Movimento Indígena? Qual a importância que você vê no protagonismo indígena?
Eu tenho uma visão mais ampla em relação ao movimento, primeiro que a questão do conceito movimento me remete a bandeira e bandeira me remete a uma coisa reativa, demanda, e a demanda reage, eu acho que a questão tá no meu sangue por ter nascido na Aldeia por ter pai avos parte de pai indígena, então, para mim, independente deu estar no Rio de Janeiro morando em um apartamento, ser servidor Público Federal lotado em uma universidade, meu sangue corre indígena, então, não poderia não pensar, mas como eu trabalho com interdisciplinaridade extensão e pesquisa eu não fico só na questão indígena eu acho que é um conjunto de coisas que permite ter uma visão mais aprofundada. Minha questão com os Povos Indígenas vem da minha própria origem, e por achar e defender, tirar uma conclusão temporária, porque a gente está sempre sistematizando, avaliando, refletindo, a importância da luta pelos direitos está inerente a eu ser indígena ou não, acho que a importância do protagonismo no sentido de renovação de liderança, de pessoas lutando pela questão da educação, saúde, o direito do cidadão independente de cor, raça, religião e etnia eu acho que é importante. O protagonismo indígena principalmente agora com a questão da Macha das Mulheres Indígenas e consequência a Marcha das Margaridas, dos movimentos Campesinos, Agrofloresta, ecológico, MST, dos quilombolas, e todos esses movimentos tem como referencia os Povos Indígenas, por que estamos falando de povos que tem uma cultura ancestral de mais de 8 mil anos. É importante valorizar os jovens indígenas que estão se permitindo estudar, seja em universidades, escolas técnicas, ou simplesmente trocando saberes tradicionais entre as etnias, esse é o caso da ATL ( Acampamento Terra Livre) que não é só uma questão política ideológica mas também um momento de reflexão de alinhamento de troca e aprendizado, ter vários espaços é fundamental para o crescimento e valorização desses jovens indígenas.
Como você percebe a relação entre a problemática ambiental e os Povos indígenas?
Os conflitos que os povos e comunidades tradicionais vivem está muito relacionado a terra, já para os indígenas a luta além de ser pelo território tem algo mais profundo que é o respeito a sua casa, a sua morada, do seu avô, do seu bisavós de nossos ancestrais. Que os jornais “os brancos” chamam de terra, então, tem uma grande diferença. Para muitos movimentos a terra é importante, para os Povos Indígenas não existe bandeira, ninguém levanta um bandeira a mais de 500 anos, os indígenas não lutam pela terra, lutam pelo respeito, pela dignidade, pelo entendimento e consciência que nossa casa é um ser vivo, e além de ser um ser vivo, é uma ser especial. A dimensão do que é casa para um indígena está ligado ao ambiente em que vive, o rio, a floresta, e isso é muito profundo. É muito preocupante ter um governo atual que não só desrespeita, mas incentiva a destruição a morte.
Partindo para as artes, quem é o Sandro artista? Como você se relaciona com as artes plásticas, e qual o significado da arte para sua vida?
Eu sempre gostei de desenhar, pintar, faço escultura, mas nunca transformei isso em forte de renda. Para mim a arte está muito ligado a sensibilidade, momentos alegres, tristes ou especiais. A arte para mim é muito abstrato, mas ai você, tem uma junção de coias, o sonho de uma criança, habilidades de um garoto em desenhar, fazer os traços, a formação técnica o olhar para a engenharia como se faz um projeto, que também é uma forma de criar. Tem a vivencia com os Povos Indígenas, com minha origem indígena e a arte está nesse contexto. A arte me permite dar forma aquilo que estou vendo, e isso sempre foi fácil pra mim, a arte é uma ferramenta facilitadora no diálogo com os Povos Indígenas.
Como você ficou sabendo da existência da APA Kaapora?
Fiquei sabendo através do Anapuaka Tupinamba que é um parceiro do projeto que eu coordeno chamado etnodesenvolvimento e economia solidaria em Aldeias indígenas Guarani, ele sabe do projeto, pois é um amigo de caminhada, ele me perguntou o que eu achava da proposta da criação da AP. Primeiro, achei o máximo, enriquecedor, inovador e vindo de parente. Pensando nisso é transformador porque você ter uma APA pensada pelo povos Indígenas usando um conceito criado, mas ao mesmo tempo respeitando a cultura tradicional.
Qual a importância você entende ter uma área de proteção ambiental criada pela iniciativa de uma comunidade indígena?
Ter um coletivo, ter um grupo se propondo a se organizar dando nome a uma coisa que o próprio jorua entende, colocando um nome que é entendido pelo meio de comunicação chamada de Área de Proteção Ambiental conduzida e criada pelos Povos Indígenas, isso demostra respeito, inteligência, entendimento do processo, crescimento, desenvolvimento. Mostrando para os não indígenas que querem dialogar, que querem construir, que estão entendendo o processo, e isso é fundamental.
Você fez uma doação importante de uma arte gráfica para o projeto Kaapora, que foi o projeto através do qual a ideia da APA foi gestada e posta em prática. Por que a doação deste trabalho?
Conversando com o ANAPUAKA , comecei a pensar e fui rabiscando. Isso era de madrugada, e ai falei para resolvermos logo isso que eu tinha outras coisas tinha que viajar, acho que a emoção ali, você capta a ideia no primeiro momento que você ouve a história, eu trabalho assim. Há, essa coisa de depois não. Me explica, para ver se eu sinto, ou não, se eu não sentir nada e não sentir verdade não flui. Eu senti muita verdade, muita coisa boa nessa questão do Projeto Kaapora e ai já me remete algumas coisas. Fiz o rabisco e falei para ele que seria legal fazer algo com conexão entre os elementos e que tivessem em harmonia. Não objetos sobre objetos, que eu tinha dito para ele, ai ele foi falando quais eram os elementos. Ser vivo, o beija flor, a flor, que para mim representa a terra, a conexão com o divino, a raiz. Ele foi descrevendo como vocês eram, falou sobre o território e no momento que ele foi falando eu fui rabiscando. Eu gosto do preto e branco, gosto do sombreado para criar, acho que a primeira emoção, primeiro momento tem que ser coisa bem limpa, traz uma verdade. Quando você faz um trabalho de coração, tem uma conexão e por eu ser conselheiro de uma Área de Proteção Ambiental e por ser indígena e por está em uma situação financeira onde o que eu ganho é suficiente para me permitir apoiar e caminhar junto com os parentes, que para mim é diferente de ajudar, ajudar é meio franciscano eu gosto de caminhar junto, para o outro crescer, se desenvolver e nessa nos desenvolvemos juntos. Então, estou doando minha energia permitindo e me conectado no momento em que faço essa criação, que considero que foi em conjunto, pois se eu não ouvisse essa história ficaria sem elementos para construir.
Por Yawar Muniz Wanderley